Memorial descritivo: como ele pode ser útil na compra de imóveis?

14 Abril 2025 | Atualizado em 17 Abril 2025

No caso de projetos residenciais, esse documento concentra muitas informações valiosas sobre cada imóvel que a construtora vai entregar.

Adquirir um apartamento na planta, por exemplo, não é uma decisão qualquer. Em um compromisso financeiro sério como esse, o cliente tem o direito de saber o que está comprando nos mínimos detalhes.

A função do memorial descritivo é exatamente essa: proporcionar uma visão clara de como o edifício e os imóveis serão entregues no final da obra.

É um instrumento de transparência na relação entre consumidor e empresa, tanto que a legislação brasileira prevê que o memorial deve constar em todo empreendimento imobiliário e precisa ser registrado em cartório antes mesmo do início das vendas. 

Hoje quero te mostrar algumas formas de usar esse documento a seu favor, desde o momento da compra do imóvel até a entrega das chaves. 

Quais informações devem estar presentes no memorial descritivo de um imóvel?

Quando o projeto imobiliário é de um condomínio ou um prédio residencial, os itens disponíveis no memorial descritivo tipicamente são: 

  • Localização da obra.
  • Construtora e incorporadora responsáveis.
  • Número de espaços e valores de metro quadrado de cada um.
  • Mobiliário do imóvel: marcas dos móveis, ambientes em que eles serão instalados, medidas e detalhes de uso (caso haja).
  • Composição das áreas: dados sobre cada dependência (subsolo, estacionamento, salão de festas, etc.).
  • Acabamento de cada área: tipos de pisos, paredes, rodapés, tetos, etc., e as respectivas marcas escolhidas para esses itens, tanto para espaços privativos, quanto ambientes de uso comum.
  • Observações e diferenciais do empreendimento.

Algumas incorporadoras também incluem as plantas dos apartamentos no memorial para facilitar a interpretação das informações. A planta é uma representação visual dos imóveis, enquanto o memorial padrão descreve o projeto em forma de texto. 

Veja este exemplo do Wish Aeroporto, um empreendimento em Goiânia, que está disponível no site da MySide. A planta representa visualmente os dados desse apartamento que aparecem no memorial descritivo.

E aqui as informações do apartamento em questão, redigidas no memorial descritivo.

Reforço que o memorial é um documento técnico, focado em esclarecer os padrões de construção do empreendimento. A escrita desse arquivo costuma ter uma linguagem mais densa e ele é estruturado de acordo com a norma 15575 da ABNT.  

Confira aqui os memoriais descritivos de dois empreendimentos que estão ativos no site da MySide, que você pode usar como referências.

Em quais casos o memorial descritivo pode ser útil na compra de um imóvel?

O valor do memorial descritivo é ser o documento que garante que você, comprador, vai receber exatamente o imóvel que está pagando para ter. Ele confirma que o padrão construtivo e os diferenciais (lockers, academia, área gourmet, etc.), que você viu apenas em imagens de simulação, serão reais na hora da entrega.

Vou te mostrar aqui alguns cenários práticos nos quais você pode usar o memorial para proteger os seus interesses como comprador e evitar frustrações no futuro.

Preservar o seu patrimônio de alguns riscos

Todo projeto de construção está sujeito a falhas e problemas. A obra pode atrasar, a empresa responsável pode ter dificuldades administrativas e os profissionais envolvidos podem não seguir completamente os parâmetros acertados no projeto. 

Como fica o cliente nesses casos? Com quais recursos você pode contar para não ser afetado por esses obstáculos?

Nos lançamentos imobiliários, as incorporadoras criam materiais de comunicação para mostrar como o empreendimento vai ser entregue. Mas existe a chance de o cliente não ficar satisfeito no momento de receber as chaves, principalmente quando encontra diferenças entre o projeto apresentado e o resultado final.

O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 30, prevê que as informações veiculadas por publicidade sobre um produto ou serviço obrigam o fornecedor a cumpri-las. No caso da compra de apartamentos, a construtora é a vinculada e tem a responsabilidade de seguir à risca o que foi apresentado em folders, vídeos promocionais, maquetes e stands de vendas.

A advogada Luisa Callegaro, especialista em direito imobiliário, esclarece que o memorial descritivo garante que o cliente deve receber aquilo que comprou, sendo uma proteção importante nessas situações.

A Lei de Incorporação (nº 4.591/1964), no artigo 48, especifica que o projeto e o memorial descritivo das edificações fazem parte integrante e complementar do contrato de compra e venda. Por isso, as informações contidas nesse material têm força contratual e devem ser rigorosamente observadas pela construtora. Por detalhar as características construtivas, materiais e acabamentos dos apartamentos e das áreas comuns, o memorial é um instrumento que comprova os compromissos assumidos pela incorporadora.

Luisa Callegaro (OAB-SC/37.121) é advogada e especialista em direito imobiliário.

 

O que fazer caso o imóvel seja entregue em desacordo com o memorial descritivo?

Aqui você pode explorar alguns caminhos para resolver o problema.

  • Contato direto com a construtora: exigir o cumprimento do contrato que foi pactuado ou pedir o abatimento proporcional do preço da compra. Quando as alterações são muito significativas, você pode reivindicar a rescisão do contrato e a devolução dos valores que pagou. Após uma análise mais detalhada de cada caso, até mesmo indenizações por danos morais são cabíveis. 
  • Ação judicial: é uma alternativa quando o diálogo com a construtora não chega a uma solução satisfatória. Alguns processos legais no passado já condenaram as empresas a pagarem por entregas com qualidade inferior à especificada e falhas significativas nos acabamentos. 

Algumas construtoras informam no próprio memorial descritivo os casos em que poderiam fazer reparos nos imóveis, portanto fique atento a essas observações quando analisar o documento.

No momento da entrega do apartamento, o apoio de engenheiros ou arquitetos é um reforço bem interessante para o comprador. Você pode chamar um desses profissionais para fazer um “pente fino” no imóvel recebido, com o objetivo de garantir que ele é compatível com o que foi prometido. 

Essa vistoria também é muito importante antes de assinar o termo de entrega das chaves, o documento que oficializa o recebimento do imóvel pelos novos proprietários. A partir desse momento você assume a responsabilidade pelo uso do bem.

Caso encontre defeitos estruturais que podem comprometer o apartamento, você tem garantia para exigir os reparos à construtora para que ela cumpra o compromisso de entregar o imóvel em condições plenas.

Como conta João Marcelo Aquino, engenheiro civil, a análise do memorial descritivo ajuda bastante a encontrar os ajustes que a construtora deve realizar nos imóveis que ela desenvolve.

Nas conferências de obras residenciais, costumo verificar bastante se os revestimentos de áreas como a cozinha e o banheiro estão de acordo com o que foi especificado no memorial da obra, como as dimensões e o tipo do material. Também confiro a instalação dos revestimentos, se os rejuntes estão apropriados para o revestimento escolhido, etc. Por fim, sempre observo se as peças de pias, torneiras, pisos e outras são compatíveis com o nível prometido no memorial.

O especialista também compartilhou comigo dois casos reais em que houve diferenças significativas com relação ao memorial descritivo:

Em uma das obras nas quais participei como consultor externo, a construtora tinha estabelecido no memorial que entregaria o apartamento com porcelanato, mas na verdade os imóveis foram revestidos com cerâmica, que tem um valor um pouco mais baixo. Apesar de as dimensões do piso estarem corretas, o material foi diferente do prometido. Outro caso que acompanhei foi o de um memorial em que o apartamento da cobertura teria telhas termoacústicas, mas a construtora acabou instalando peças de fibrocimento, um material mais simples e de menor valor. Nessa obra a empresa foi forçada a fazer a troca dos materiais.

João Marcelo Aquino (CREA 232795/D), engenheiro civil com atuação em Minas Gerais.

Reunir informações importantes para a compra

O registro do memorial descritivo no cartório deve acontecer antes mesmo do início das vendas, para dar transparência ao processo. Isso significa que o cliente pode ter acesso ao documento com as especificações técnicas desde o início da procura pelo empreendimento.

Nessa primeira análise do memorial, os compradores mais detalhistas podem encontrar sinais concretos sobre a credibilidade das empresas responsáveis e a qualidade dos imóveis que estão comprando.

Incorporadoras e construtoras sérias fazem a documentação devida do empreendimento no cartório de registro de imóveis, não economizam nas informações no memorial da obra e até usam recursos visuais, como tabelas e gráficos, para reforçar dados do projeto. Verifique esses aspectos para fazer uma compra mais certeira.

Outro ponto é a percepção de valor do cliente em relação ao imóvel. Afinal, você sempre vai comparar o projeto apresentado com o preço que vai pagar pelo bem. 

Aqui, estude o memorial descritivo em conjunto com o material publicitário do empreendimento, para ter certeza de que o padrão prometido é compatível com as especificações técnicas e as marcas escolhidas para as áreas do edifício.

Quanto mais clareza você tiver sobre as características do imóvel e das áreas coletivas do empreendimento, melhor. Pense em cada detalhe e verifique se o memorial responde claramente algumas perguntas, como:

  • Qual será a estrutura para o ar condicionado? Em quais pontos o sistema será adicionado?
  • A vedação será com alvenaria estrutural ou drywall? 
  • O aquecimento da água será elétrico ou a gás? Individual ou coletivo?
  • Como serão as áreas comuns? Quadras, pet place, piscina, salão de festas, etc.?
  • Qual será o padrão dos acabamentos? 
  • Qual piso será escolhido e quais serão os tamanhos?

 

Acompanhar o andamento da obra

Algumas construtoras têm processos mais claros para que o comprador receba atualizações sobre as etapas da construção, com aplicativos, comunicações frequentes por plataformas digitais e vídeos nos canais do Youtube das empresas. 

Nesses casos, você pode consultar o memorial para saber se a implementação dos materiais está de acordo com o combinado e se a obra segue o que foi planejado.

O atendimento dos profissionais que conduziram a negociação com você também é muito valioso nesse momento. Eles podem fazer a ponte com a construtora para acompanhar o desenvolvimento da obra e verificar se está alinhado com o contrato.

A possibilidade de “fiscalizar” o trabalho da construtora durante a obra é maior em empreendimentos na modalidade a preço de custo (SPEs). Nesses casos os compradores custeiam toda a obra com o próprio capital, por isso são sócios diretos do empreendimento e têm um acesso mais próximo ao andamento dele. 

O engenheiro civil Guilherme Fin, explica que no modelo a preço de custo existe um risco um pouco maior para atender as especificações do memorial:

Como o investidor acaba dividindo os riscos por ser parte integrante da sociedade, caso aconteça algum imprevisto com o andamento da obra, seja por embargo, problemas na execução, ou um orçamento mal elaborado por parte da administradora, talvez em certo momento seja necessário um aporte adicional para finalizar a construção. Então o cliente precisa estar preparado desde o início para situações como essa.

Guilherme Fin (CREA- SC 170632-6), engenheiro civil que atua na região de Santa Catarina.

Cabe lembrar que o memorial descritivo não tem um prazo de validade. Ele é legítimo em todas as etapas do empreendimento e fica em vigor até a conclusão da obra, a não ser que ela passe por alguma alteração significativa, o que nos leva ao próximo tópico. 

O memorial descritivo pode ser alterado durante a construção?

As mudanças possíveis ao longo de uma construção são infinitas. Mas o motivo e as circunstâncias interferem diretamente nos impactos das alterações para o cliente, e nem sempre o memorial descritivo acompanha esses ajustes.

Um dos cenários, por exemplo, é o da personalização dos apartamentos, que algumas construtoras oferecem. Aqui um comprador pode solicitar alterações na composição de um imóvel para adaptá-lo às suas preferências, que talvez sejam diferentes do padrão dos apartamentos originais do empreendimento.

Jéssica Battistella, engenheira civil, explica o processo de modificar unidades de apartamentos na planta para adaptá-las às preferências específicas dos compradores:

O cliente pode contratar um escritório de arquitetura, por exemplo, para montar um projeto que altera a planta original, integrando ou ampliando ambientes, substituindo revestimentos e pisos ou eliminando espaços pouco utilizados. Esse projeto passa pela análise da construtora, que verifica a viabilidade técnica das mudanças. A empresa pode aprovar o projeto, sugerir ajustes ou negar, especialmente se as modificações impactam a estrutura do edifício ou fogem dos padrões de construção estabelecidos para o empreendimento. Quando o cliente solicita acabamentos acima do padrão oferecido pela construtora, ela pode cobrar um aditivo de contrato para cobrir a diferença dos custos.

Jéssica Battistella (CREA SC-218783-9), engenheira civil e designer de interiores.

Vale ressaltar que, nesses casos, o memorial descritivo original do empreendimento não precisa ser refeito, já que os apartamentos personalizados são tratados como exceções e avaliados individualmente. 

Por outro lado, se as alterações acontecerem por circunstâncias do cronograma da obra ou decisões unilaterais da construtora, alguns detalhes exigem mais atenção, como explica a advogada Luisa Callegaro:

Se as mudanças implicarem em uma redução da qualidade ou causarem diferenças drásticas nas características do imóvel, elas podem representar um prejuízo ao cliente. Quando realizadas sem o consentimento do comprador, as modificações podem ser consideradas infrações do contrato, sujeitando a construtora a penalidades como indenizações por danos materiais e morais.

Mas a especialista também ressalta que os contratos geralmente preveem a alteração unilateral por parte da construtora quando forem simples trocas de marcas ou modelos equivalentes, que não comprometam a qualidade ou a metragem do imóvel.

Quer saber mais sobre o processo legal dos empreendimentos imobiliários? Confira o nosso checklist de documentos necessários para comprar imóveis.

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